Ataques cibernéticos ao Brasil preocupam Abin com volta do país ao cenário internacional

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Setores como energia e agronegócios devem ser acompanhados com atenção redobrada, segundo agência
 
O processo de reinserção do Brasil no cenário internacional, uma das prioridades do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem entre os efeitos colaterais uma suscetibilidade maior a espionagem e ataques cibernéticos.


Setores sensíveis nos quais o país é um ator global estratégico, como energia e agronegócios, devem ser acompanhados com atenção redobrada na medida em que os olhos — e os interesses — do mundo se voltam com maior atenção para cá.


A área do governo responsável por fazer esse alerta é o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações (Cepesc), da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Seu diretor, Paulo Magno, lembra que a maior exposição internacional é fator relevante para o país e deve ter a devida atenção, especialmente em um período de revolução digital.


Desde que assumiu, há seis meses, Lula já fez 11 viagens ao exterior e se reuniu com chefes de Estado e governo de 40 países. Além de retomar o protagonismo histórico do país na área ambiental, o presidente quer ampliar a influência do Brasil em questões comerciais e de segurança como a mediação para a guerra entre Rússia e Ucrânia.


“Isso afeta a nossa posição no cenário internacional, porque a ciberespionagem permite que um país saiba informações privilegiadas do outro e atue em termos de lobby”, disse Magno. De acordo com ele, infraestruturas críticas para o país, como a usina de Itaipu, também devem ser monitoradas.


As instalações do Cepesc estão em uma área de acesso restrito mesmo dentro da sede da Abin, onde os protocolos de segurança já são rigorosos. O centro foi criado em 1982 em meio a um episódio de espionagem da diplomacia brasileira. Sua principal tarefa é garantir a segurança das comunicações estratégicas, não apenas nas relações internacionais, mas nos setores militares e nas transações bancárias, entre outros.
 

Mais recentemente, a unidade esteve diretamente envolvida na garantia da idoneidade do sistema eletrônico de votação. Em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Abin cuidou da segurança da comunicação entre os boletins de urna e o sistema central de contabilização. Também atuou com a “assinatura” dos softwares das urnas, espécie de aval eletrônico de que nenhuma alteração poderia ser feita dali em diante.


Parte desse trabalho, segundo Magno, foi feita por meio de tecnologia conhecida como criptografia pós-quântica, considerada o estado da arte em termos de proteção de sistemas. Trata-se de uma forma de defesa baseada em computação quântica, que tem capacidade de processamento imensamente superior ao da tradicional, baseada em um sistema binário.


“O Brasil é hoje o primeiro país do mundo a utilizar a criptografia pós-quântica em larga escala”, afirmou. A expectativa agora é que essa tecnologia vá sendo testada e implementada em outras áreas estratégicas do governo. “A gente entende que é preciso ter uma criptografia nacional em todas as comunicações estratégicas.”
Ele defende que a rede privativa do governo federal, a ser criada no âmbito da instalação da tecnologia 5G no país, deveria contar com criptografia nacional.


A Abin já identificou tentativas de invasão a sistemas de hospitais durante a pandemia. Também ajudou a Biblioteca Nacional a recuperar dados perdidos em um ataque. Por enquanto, porém, é obrigada a eleger prioridades, devido a restrições orçamentárias.
Essa demanda vem na esteira de um crescimento nos episódios de tentativas de ataque cibernético, tanto em quantidade quanto em complexidade. A expansão do uso da inteligência artificial é um complicador extra. Segundo o diretor do Cepesc, ainda estão no início os estudos sobre os possíveis usos “maliciosos” da ferramenta. Ele lembra, por outro lado, que a tecnologia também pode ajudar a agilizar o desenvolvimento de mecanismos de defesa.
 

No mês passado, completaram-se dez anos do escândalo protagonizado por Edward Snowden, ex-funcionário da CIA e da NSA, que revelou um megaesquema de espionagem do governo dos EUA. O Brasil, governado na época por Dilma Rousseff, estava entre os alvos. Comunicações da presidente, de embaixadas e da Petrobras foram vítimas da espionagem. O governo americano já fazia uso de inteligência artificial para processar o grande volume de informações interceptadas. A capacidade dessa tecnologia já aumentou muito.


A desinformação e as fake news também mobilizam a segurança cibernética. Episódios considerados menores, envolvendo proliferação de mensagens difamatórias em redes sociais são normalmente tratados pelas polícias judiciárias. Há, contudo, casos que podem comprometer setores estratégicos, nos quais a Abin se envolve.


Campanhas de desinformação podem ocorrer, por exemplo, para prejudicar a exportação de carne pelo Brasil ou tumultuar processos eleitorais. “Intervenção externa é algo que pode ser feito de várias formas, por meio de direcionamento em redes sociais para tentar modificar comportamentos ou percepções da população”, disse.


Apesar da revolução digital, Magno lembra que a espionagem tradicional, com agentes infiltrados, continuará ocorrendo. “Existe uma tendência no serviço de inteligência do mundo inteiro de investir mais na inteligência cibernética, que tem eficiência grande a custo baixo, além da segurança adicional. Mas existem dados que só se consegue acessar por meio da inteligência tradicional, humana”.