Reforma Administrativa e os riscos para o serviço público

[]

Por Antônio Augusto de Queiroz (*)

O governo Bolsonaro prepara uma reforma administrativa, dentro da lógica do ajuste fiscal, com o propósito de reduzir custos, assim como vem procedendo na reforma da previdência, sem qualquer preocupação com a importância estratégica das carreiras do Serviço Público nem com a qualidade dos serviços prestados à população.

Os servidores e suas entidades de classe vão precisar se mobilizar porque o atual governo possui um preconceito arraigado contra o Estado, suas organizações, instituições e servidores, e pretende aproveitar esse momento de crise fiscal para justificar o desmonte do serviço público.

Para o governo, na perspectiva ideológica, a Administração Pública é uma instituição inchada, em termo de pessoal; ineficiente, em termos de desempenho institucional; contrário ao mercado e ao capitalismo; e capturado pela esquerda.

A visão governamental, do ponto de vista fiscal, também é a pior possível, pois enxerga a Administração Pública como perdulária, com propensão à corrupção, com custos de produção de bens e serviços superiores ao setor privado, com servidores que ganham muito e trabalham pouco, numa hostilidade e intolerância jamais vista.

E para enfrentar esses supostos males da Administração Pública, o governo pretende reduzir a máquina pública, diminuir a presença do Estado no fornecimento de bens e na prestação de serviços e programas sociais, e flexibilizar a regulação, o controle e fiscalização das instituições públicas sobre o setor privado.

Nessa perspectiva, o Plano Plurianual (PPA) é claro ao desenhar o cenário e propor as diretrizes para o período 2020-2023, com várias metas, entre as quais:

  • o aprimoramento da governança, da modernização do Estado e da gestão pública federal, com digitalização dos serviços governamentais e redução da estrutura administrativa do Estado;
  • a articulação e coordenação com os entes federativos, mediante a celebração de contratos ou convênio, que envolvam a transferência de recursos e responsabilidades;
  • a redução da ingerência do Estado na economia;
  • a simplificação do sistema tributário; a melhoria do ambiente de negócios, o estímulo à concorrência e a maior abertura da economia nacional e ao comércio exterior;

A ideia geral da proposta de reforma administrativa, dentro da lógica do ajuste fiscal, e em conformidade com a visão do governo e as diretrizes do PPA, passaria:

1)  pelo enxugamento máximo das estruturas e do gasto com servidores, com extinção de órgãos, entidades, carreiras e cargos;

2) pela redução do quadro de pessoal, evitando a contratação via cargo público efetivo;

3) pela redução de jornada com redução de salário;

4) pela instituição de um carreirão horizontal e transversal, com mobilidade plena dos servidores

5) pela adoção de planos de demissão incentivada ou mesmo colocar servidores em disponibilidade, em casos de extinção de órgãos, cargos e carreiras;

6) pela redução do salário de ingresso dos futuros servidores;

7) pelo fim das progressões e promoções automáticas, condicionando-as a rigorosas avalições de desempenho;

8) pela adoção de critérios de avaliação para efeito de dispensa por insuficiência de desempenho;

9) pela ampliação da contratação temporária, em caso de necessidade; e

10) pela autorização para a União criar fundações privadas, organizações sociais e serviço social autônomo ??? cujos empregados são contratados pela CLT ???para, mediante delegação legislativa, contrato de gestão ou mesmo convênio, prestar serviço ao Estado, especialmente nas áreas de Seguridade (Saúde, Previdência e Assistência Social), Educação, Cultura e Desporto, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Turismo e Comunicação Social, entre outros.

Além da redução das estruturas e de pessoal, bem como da adoção dessas novas modalidades de contratação, algo que iria absorver as atividades dos órgãos, das entidades e de carreiras extintos, o governo também pretende:

  1. intensificar a descentralização, mediante a transferência de atribuições e responsabilidades para estados e municípios;
  2. criar programas de automação e digitalização de serviços, especialmente no campo da Seguridade Social;
  3. terceirizar vários outros serviços públicos, inclusive na atividade-fim, como previsto na Lei 13.429/2017; e
  4. regulamentar, de modo restritivo, o direito de greve do servidor público;
  5. instituir a pluralidade sindical, matéria que ficará a cargo de um grupo de trabalho, criado no âmbito do Ministério da Economia, sob a coordenação do ministro do TST, do professor Hélio Zyberstajn.

As mudanças em estudo, entretanto, não fazem o menor sentido para um serviços público profissionalizado e para as carreiras de Estado, cujos integrantes devem gozar de segurança financeira e estabilidade emocional no desempenho de suas funções, inclusive como forma de dificultar qualquer tipo de perseguição.

As carreiras exclusiva de Estado ??? formada por profissionais especializados, entre os quais os responsáveis pela fiscalização e arrecadação ???precisam de pelo menos quatro garantias para o exercício de suas contribuições com independência funcional:  a) ingresso por concurso público, b) estabilidade no emprego, c) remuneração digna, e d) qualificação permanente.

A proposta, embora vá na mesma linha do Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado, elaborado por Bresser Pereira durante o governo FHC, que adotava a administração gerencial em substituição à burocrática, é mais agressiva porque pretende flexibilizar, descentralizar ou terceirizar todas as atividades do Estado, inclusive das carreiras típicas, num verdadeiro desmonte da Administração Pública.

A eventual implementação dessa agenda, em bases neoliberais, terá como consequência enormes sacrifícios para os servidores e para todos aqueles ??? classe média, assalariados e os pobres de modo geral ??? que dependem da proteção do Estado. Ou as entidades se preparam para enfrentar esse debate, inclusive com propostas alternativas que preservem o Serviço Público e proteja os servidores de perseguição, ou preço será o desmonte do Estado, o aumento da desigualdade e da exclusão social.

(*) Jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado do Diap e Sócio-Diretor da Queiroz Assessoria em Relações.