O que mais querem os servidores públicos?

Estadão

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                    Claudio Adilson Gonçalvez*

Eles não estão dispostos a aceitar nem o único ponto da reforma que dará igual tratamento a RPPS e RGPS.

Um dos argumentos a favor da proposta de reforma da Previdência do governo é que se passará a dar tratamento igualitário a servidores públicos (Regime Próprio de Previdência Social ??? RPPS) e a servidores do setor privado (Regime Geral de Previdência Social ??? RGPS). Não é bem assim. Uma parcela expressiva dos servidores públicos ??? aqueles admitidos antes de 31/12/2003 (vigência da Emenda Constitucional 41) ???, mesmo com a reforma, continuará a ter direito à integralidade (aposentadoria igual ao último salário recebido quando em atividade) e paridade (reajustes iguais aos concedidos aos funcionários ativos).

Ainda de acordo com a proposta de reforma, os funcionários públicos federais admitidos entre 31/12/2003 e 3/2/2013 terão sua aposentadoria calculada por regras semelhantes às do setor privado, mas não estarão sujeitos ao teto de benefício do RGPS, cujo valor hoje é de R$ 5.531,31. O teto só se aplicará aos que ingressaram no serviço público a partir de 4 de fevereiro de 2013, mas mesmo estes contam com a possibilidade de aumentar sua aposentadoria mediante a filiação à Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), financiada por contribuições paritárias do servidor e do governo, sendo esta última limitada a 8,5% do salário. Claro, há empresas privadas que têm fundações de previdência complementar que também recebem aportes dos empregadores, mas isso é exceção, e não regra. A grande maioria dos trabalhadores brasileiros que recebem salário acima do teto, se quiser preservar seu padrão de vida após a aposentadoria, terá de contar apenas com suas próprias poupanças.

A diferença dos valores médios dos benefícios previdenciários (aposentadorias e pensões) entre o RPPS e o RGPS é chocante. Em 2016, último ano para o qual há dados oficiais, tais benefícios foram de R$ 9.405,00 mensais para os servidores públicos e de R$ 1.450,00 mensais para os do setor privado. Os que falam em defesa dos servidores argumentam que essa diferença é normal, pois o grau médio educacional dos funcionários públicos federais, pela natureza de suas funções, é maior que o do setor privado, já que neste último há grande participação de funções que podem ser executadas por mão de obra menos qualificada.

Tal argumento explica apenas parte da história. O fato é que os servidores públicos gozam de privilégios bancados pela sociedade, solapando recursos que poderiam ser aplicados para atender às necessidades básicas da população, especialmente da mais pobre, como saneamento básico, educação fundamental, saúde e mobilidade urbana. Além da aposentadoria com vencimentos integrais, seus salários são muito mais elevados que os do setor privado.

De fato, segundo estudo do Banco Mundial, os salários dos servidores públicos federais são, em média, 67% superiores aos do setor privado, mesmo após levar em consideração o nível de educação e outras características dos trabalhadores como idade e experiência. Tal prêmio salarial é atípico ante os padrões internacionais.

Sob a ótica do déficit, a diferença entre o RPPS federal e o RGPS é ainda mais alarmante. Em 2016, o primeiro apresentou um buraco de R$ 77 bilhões, enquanto o RGPS registrou déficit de R$ 150 bilhões. Detalhe: o RGPS banca 29 milhões de benefícios previdenciários e o RPPS federal, pouco menos de 1 milhão!

O único ponto da reforma que dará tratamento paritário aos dois regimes é a idade mínima, que ao fim do tempo de transição será de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Mas nem isso os servidores públicos estão dispostos a aceitar. Depois de conseguirem emplacar tratamento especial para professores e policiais, agora atuam com lobby pesado para estabelecer idades mínimas menores para os admitidos antes de 2003 (ou para continuarem a não ter qualquer idade mínima, no caso dos admitidos antes de dezembro de 1998). Afinal, o que mais querem os servidores públicos?

*Economista , foi consultor do banco mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e Chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda.

Fonte: Estadão